sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O DARDO





O DARDO

A rosa abriu-se na madrugada
como um bebê.

Tanto pólen no ar,
eu me inundo de volúpia,
é como a morte.

Espero a claridade do sol,
na água do dia.

Pétalas flutuam
leves, etéreas, femininas
como a pele de uma mulher.

Eu celebro a dor e o corpo
– o dardo do amor.


                                       José C. Brandão



segunda-feira, 24 de setembro de 2012

MEU PAI POETA

                                                                           Meu pai (à direita) e um primo


 

       MEU PAI POETA 


Hoje (depois de vinte e tantos anos)
descobri que meu pai dizia um poema

quando repetia, sim, repetia e a graça estava
nessa repetição infindável... A graça ou a poesia?

Imagine os dois personagens e o diálogo repetido,
repetido na voz do meu pai ou deles mesmos:

– Vais pescar?
– Não, vou pescar.
– Ah, pensava que ias pescar.




________

        Ah, veja a elegância - o terno, as botinas, o chapéu (a bengala, parte da indumentária, não aparece porque estavam sentados, fazendo pose para a foto). Isso foi lá por 1924. Meu pai teria seu 18 anos de idade.





sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O DEGOLADO



O DEGOLADO
            (lendo Camus)

O homem nem sentiu quando o barbeiro
enlouqueceu e lhe cortou o pescoço
de um lado ao outro com a navalha.

Quando percebeu, estava no meio da rua
com a cabeça cada vez mais para trás,
e o sangue jorrando aos borbotões, ao sol.



quarta-feira, 5 de setembro de 2012

CRIA O TEU RITMO



“Cria o teu ritmo e criarás o mundo.”
Eu era adolescente quando li esse verso de Ronald de Carvalho. Pareceu-me de imediato uma chave para a poesia. Simples. Básico. Bastava-me criar o meu ritmo e eu seria poeta. Fácil, não? Ainda hoje estou tentando criar o meu ritmo, falar com a minha voz.
Há sempre um outro por trás. Talvez meu outro eu. A minha máscara – essa que todo poeta usa. Essa que, afinal, fala com a sua voz.
Dizem: o seu estilo é inconfundível. E me confundem, se confundem, não me reconhecem no que escrevo.
Como quando, certa vez, eu era jovem ainda, mostrei um pequeno poema de Drummond a umas amigas. Elas ficaram assim, assim. Como quem não sabia o que dizer. Então eu disse: “É de Drummond.” “Ah, bom”, disseram.
Não era apenas bom, o poema. Bom como eu não seria capaz de fazer. Tinha mais, tinha uma voz, que não era a minha – mas se confundia com a minha em sua impessoalidade.
Impessoalidade. Contento-me lembrando Gide: Estilo é não ter estilo. O estilo ideal é não se denunciar por artifícios de linguagem, por enfeites, floreios, etc. A linguagem ideal é a que parece de todo mundo. Nem se percebe que por trás há o homem.
Por trás há o outro.
Um poeta só é poeta quando descobre a própria voz, quando cria o seu ritmo.
O ideal é que não se perceba o outro por trás.
Pouco importa se não é reconhecido, se a sua voz parece a voz de todo mundo. Melhor ainda. Eu é um outro, diria Rimbaud.