quinta-feira, 14 de junho de 2012

COM A MORTE NO BOLSO


O que é a palavra favela para você? – Família.
O que é a palavra polícia? – Medo.
A palavra negro? – Irmão.
A palavra fome? – Dor.
A palavra amor? – Mulher.
A palavra criança? – Filho.
A palavra Deus? – Salvação.
A palavra governo? – Nada.
A palavra morte? – Eu.


sábado, 9 de junho de 2012

O MENINO SOTERRADO


 
Eram nove meninos soterrados, seis irmãos e três primos.
Mas um tinha se salvado.
Tinha aguentado a casa em cima,
a casa que desbarrancou e foi levada de roldão
e era só lama e pedras e escombros.
E os nove meninos por baixo.

Mas o Felipe foi achado e estava vivo,
o Felipe tinha estofa de herói.
Depois de mais quatro horas embaixo daquela avalanche,
o Felipe foi tirado com vida.

O que não teria acontecido lá embaixo da terra?
O desespero daqueles meninos.
A lama da morte entrando goela a dentro.
O Felipe assistindo.
Os irmãos morrendo devagar, os primos morrendo
muito devagarinho,
com toda a dor que a bruxa vagarosa da morte sabe dar.
E o Felipe assistindo.
Esperando a sua vez.

O Felipe era um herói.
E não morreu.
Os heróis não morrem nunca.
Os milagres, para os heróis, sempre acontecem.
O Felipe assistiu, uma a uma, à morte dos irmãos, dos primos.
O mundo desabou,
ele sustentou com a sua cabecinha frágil os escombros do mundo.

Mas foi muito peso para a sua cabecinha frágil.
Toda a dor do mundo, a morte daqueles menininhos.
Toda aquela dor na sua cabecinha de nada.
Era uma cabecinha muito frágil.
A dor da morte, o peso dos escombros.
Partiu-se a cabecinha,
o seu pequenino crânio se trincou,
se quebrou como um vaso que cai.
Como um ovo jogado no chão,
a casca tão fina esmagada.

Foi operado.
Uma última tentativa.
Juntar os cacos.
Como se fosse possível juntar os cacos de um vaso quebrado.
Como se fosse possível colar a casca esmagada de um ovo.
Inútil.
Saíra como um herói, ostentando o estandarte da vitória.
Um rei coroado.
Felipe é nome de rei.
O cavalo de Felipe relincha cavalgando livre pelas pradarias do seu
       [reino.
                    



domingo, 3 de junho de 2012

O TITANIC COMO METÁFORA




O Titanic era a metáfora do fim do século dezenove
e início do século vinte.

Era a metáfora do progresso tecnológico
e era a metáfora do adeus à inocência (viria logo a
Primeira Guerra Mundial, viria a Segunda com todas
as suas mortes tão tecnológicas).

Era a metáfora da divisão de classes – os mais pobres
no porão, mais perto da morte.
Era a metáfora do privilégio ostensivo e da massa
descartável.

A vida não é uma metáfora, a morte não é uma metáfora,
o poeta não se cansa de dizer.
Deixemos a metáfora para o Titanic, tão antimetafórico
                        e sem nenhuma metafísica no fundo do mar.



sexta-feira, 1 de junho de 2012

A MENINA DO NAPALM





A MENINA DO NAPALM


Kim Phuc quer escapar daquela menina pequena,
mas aquela imagem não vai embora.
Aquela menina nua correndo das bombas de napalm dos americanos.
Ela viu o rastro de fumaça amarela e roxa das bombas
cobrindo o templo de Cao Dai
e ouviu um avião jogando explosivos como ovos quebrando.
As bombas de napalm atingiram os braços de Kim Phuc,
queimaram suas roupas
e a dor parecia insuportável.
Correu pela estrada próxima ao povoado
até perder a consciência.
O fotógrafo Nick Ut a levou para um hospital.
Estava com 30% do corpo tomado por queimaduras de 3º grau
(só o rosto não foi atingido).
Hoje faz quarenta anos que a bomba a envolveu
como um ovo podre.
Kim Phuc não morreu,
mas nunca mais foi a mesma.
Aquela menina pequena não morreu para nos lembrar
do mal que os homens fazem.