quarta-feira, 30 de maio de 2012

A MÁQUINA DO MUNDO


 
Somos feitos da mesma substância das estrelas.

Que alívio!
Girando no espaço iluminados de poesia.
Perdidos no caos do espaço, mas iluminados de poesia.

Esta descoberta justifica a física quântica,
a fome,
a morte,
todas as injustiças do mundo.

Somos feitos da mesma substância das estrelas,
mas o que significa isso?



terça-feira, 29 de maio de 2012

A CHACINA DE LENÇÓIS PAULISTA



Mais de vinte cães e gatos morreram misteriosamente
no Jardim Ibaté,
em Lençóis Paulista.

Talvez algum malvado lhes tenha dado pedaços de mortadela
e salame
com veneno.

Não morreu ainda? – Alguém ouviu um homem falar
para um cachorro
que agonizava.

Encontraram um gato morto jogado num terreno baldio,
há alguns dias,
sem as quatro patas.

A crueldade anda à solta – desde que o mundo é mundo
e nem começa
com os animais.



segunda-feira, 28 de maio de 2012

O INCÊNDIO DO GRAN CIRCO NORTE-AMERICANO


Onde era o circo que pegou fogo foi morar o profeta Gentileza.
Largou a família e o caminhão para chorar sobre as cinzas do circo.

Gentileza gera gentileza, proclamava o profeta Gentileza
e chorava desconsolado sobre o maior incêndio do Brasil.

A lona coberta de parafina pegou fogo na hora
e mais de quinhentas pessoas morreram queimadas.

Uma elefanta desesperada saiu correndo no meio da multidão,
abriu um buraco na lona e salvou meio mundo.

Ivo Pitanguy começa a ser conhecido como cirurgião plástico
remendando as vítimas queimadas no incêndio do circo.

Maria Pérola dos escoteiros vai divertir e consolar
as crianças desenganadas queimadas na tragédia do circo.

Jango escondido num canto chora os mortos e feridos
no espetáculo mais triste da terra que viu na sua vida.

A mãe leva a filha Regina para ver a girafa chamada Regina
e vê as filhas e o marido morrerem no incêndio do circo.

Os tigres, leões, macacos, girafas e elefantes sobreviveram,
e os artistas espertos que conheciam a saída de emergência.

O incêndio começou com um curto circuito ou foi um rapaz
que brigou com o porteiro e botou fogo por vingança?

Ou o rapaz foi um bode expiatório para ninguém falar
que o circo não tinha extintores nem segurança nenhuma?

Este foi o incêndio do Gran Circo Norte-Americano
que era mais gaúcho e polaco do que norte-americano.



domingo, 27 de maio de 2012

A MENINA MORTA


“Que menina morta era aquela?”
“Era minha irmã”, a Cidinha falou, “e o pai é um monstro.”
O Zé matou a Judith a pauladas, na cozinha. Depois, jogou no açude. A Judith, no dia seguinte, estava boiando na água suja, entre peixes mortos.
“O pai sempre foi um bruto”, diz a Cidinha, “eu não sabia até que ponto.”


SAÍDA DE ITAGUÁ


        O barco descansa na praia. A rede enrolada como uma teia de aranha ao sol.
        Urubus ao lado esperam inquietos. Dois atobás passeiam imponentes dentro da água do mar. As ondas brancas quebram-se na areia, o peito branco dos atobás eleva-se muito alto.
        Os pescadores limpam os peixes, logo jogarão as entranhas para os urubus e depois para os atobás no mar.
         Brilhos de estrelas no escuro da areia monazítica, onde o mar desenhou árvores delicadas (procuro as flores e os frutos nos galhos).
         Eu me ajoelho e contemplo e me recolho à minha concha.
         O azul do céu e do mar, o verde das montanhas no espelho do mar.
         Como um cachorro, o universo lambe os meus pés.


A CÓLERA DOS DEUSES


Antes de se entregar à sanha dos soldados,
o capitão despediu-se da filha
com um abraço carinhoso.

– Para que você não sofra, disse
e cortou-lhe a garganta com a navalha.



O ouriço

           
Estou grudado no alto da porteira da mangueira das vacas. Lá embaixo o Duque late feito doido.  Avança, negaceia, avança de novo – uma bruta valentia.  É um ouriço acuado junto ao mourão da porteira. Ele rodopia, se eriça todo – coisinha indefesa, só tentando fugir do ataque. Mas de cada ataque o Duque é que foge, ganindo – um choro longo e fino de doer na gente.
            Estou tremendo inteirinho aqui escanchado na tábua de cima da porteira. O Duque não pode morder o ouriço; mas não desiste. Que dó que isso dá! Bicho besta, por que não vai embora? Aí, teimando e se machucando. Também, que mal que fez o coitado do ouriço, esse bichinho inocente. An? Inocente? Um monstro que caiu em cima do Duque, todo escalavrado.
Um tiro de repente. E a voz do meu pai:
– Menino, desce daí!
E eu desço, fazer o quê?
– Por aí não, pelo outro lado.
– Por quê?
– Desce logo.
Eu sei que não tem espinhos no chão. Ele deve estar cismado; eu obedeço.
– Vai lá dentro buscar um alicate. Corre.
– Alicate?       
– Tem que ficar perguntando as coisas? Vai, vai duma vez.
Eu obedeço. O Duque está lá encolhido num canto da cerca. Geme, geme baixinho.
Meu pai sabe fazer as coisas direito, por que então não trata do Duque, fica pedindo alicate?
– O que você quer?
– O alicate, mãe.
– Por que você quer alicate?
– O pai que quer, mãe.
– Põe no lugar depois, hein?
– Sei.
– E não revira esse baú.
Pego o alicate, levo correndo. Na porta da cozinha escorrego, me esparramo no chão.
– Cuidado! Sempre estabanado. Não precisa correr tanto.
Levanto, saio mancando. Tinha que ir apressado. É que me lembrei do Duque.
            Meu pai está agachado. Está fazendo um carinho, consolando, passando a mão na barriga do Duque; com a outra mão segura firme no pescoço, agarrando a pele.
Não fala nada. Pega o alicate, segura mais forte, põe o joelho prendendo bem o Duque. Pacientemente, devagar, com mão sábia, depois num arrancão tira espinho por espinho.
O Duque deixa, nem se mexe. Só chora, um chorinho desconsolado, lá do fundo. O focinho pingando sangue.
Depois, some um tempo. Não muito; na hora da janta está lá num canto da cozinha.
Minha mãe põe a sopa de mandioca na mesa. Oba. Comemos com uma senhora satisfação. Mas logo meu pai se irrita, está olhando o Duque:
– Bicho imprestável!
– Ele não tem culpa, pai.
– Por que é que não tem?
Lá no seu cantinho, aqueles olhos de dor. A gente percebe, uma aflição bem de dentro.
            – E o ouriço, pai?
            – Que é que tem?
            – Que é que o senhor fez com ele?
            – Ara! Nada.
Terminamos de comer sem vontade, a sopona fumegando numa gostosura.
Não paro de olhar para o Duque:
– Como que o ouriço faz isso?
– Ara! Faz.
– O espinho vai que nem flecha?
– É.
– E fura a carne?
– Vai furando. Se não tira vai indo para dentro.
– E agora?
– Agora vamos fazer o quilo. Logo é hora de dormir.
– E o Duque, pai?
– Ele sara.
– Ele não comeu nada.
            – Quando a fome apertar, ele come. Sossegue, isso passa.
            Meu pai acaba de enrolar um cigarro, vamos para a varanda. Ainda olho o Duque; ele abre os olhos, se bate de leve – uma tremura.


A LIBÉLULA



A libélua
se reflete no lago.

A montanha
se reflete no lago.

O cavalo, o beija-flor e a borboleta
se refletem no lago.

E chamamos a libélula
de efêmera 



11 DE SETEMBRO DE 2011


 
Quando o primeiro avião atingiu as torres gêmeas,
achei que era uma cena de algum filme de ficção.

Quando o segundo avião acabou de derrubar o World Trade Center,
soube que o Império tinha desabado.

Levantei um copo de cerveja (vazio – era cedo para beber, era cedo para
qualquer coisa, ainda mais para o fim do mundo)

num brinde silencioso e estupefato
ao início de um novo tempo no caos da história.